Referências reais daquele momento histórico, e que a toda uma geração envolveu, podemos encontrar no belo livro denominado: “Bons Tempos: para os netos”, de autoria de minha amiga Brigitte J. F. Gorini; nascida em Nova Veneza, e descendente de italianos da região do Vêneto e da Lombardia. Um livro que remete à história de seus ancestrais, e “ao escrevê-las, reencontra a Nova Veneza da década de 1940, que descreve num retrospecto nostálgico, o qual acaba sendo o registro da vida e memória daquela comunidade italiana do sul catarinense.”

     Do Capítulo “Siamo Partiti”, sobre a origem da sua família Trento, encontramos descrições que se atribuiriam à grande maioria dos que emigraram para o Brasil, como:
     “Na segunda metade do século XIX, quando se tornou intenso o fluxo de emigrantes italianos, a família Trento decidiu juntar seus poucos pertences e vir para o Brasil em busca de uma vida mais digna.” ... ”Os Trento foram mais uma, entre milhares de famílias italianas que abandonaram seus lares, suas minguadas terras e tendo como patrimônio somente uma réstia de esperança, lançaram-se a um futuro incerto num lugar desconhecido. Das músicas daqueles bravos ainda ecoa em nossos ouvidos as indagações contidas nos versos “Cosa sara quest’America?” ... ”Luigi Trento e sua família viajaram de navio até o Rio de Janeiro. De lá para Florianópolis e, num barco menor, para Laguna. Dali subiram o rio Tubarão, onde havia um “arranchamento” que lhes proporcionava algum descanso e comida. Possivelmente, adentraram no território catarinense por picadas abertas a facão pelos imigrantes que os precederam, carregando suas crianças, mulheres grávidas, seus baús, sacos e trouxas num percurso árduo. Alguns tiveram o auxílio das mulas de carga para transportar seus pertences. Aos Trento foram destinadas as terras em Rio Carvão e, após limparem uma pequena área, lá construíram sua casa. Antes disso, suportaram a realidade de ter “Dormito sul nudo terreno como le bestie abbiam riposá”. Ao desconforto, soma-se a angústia ante a possibilidade de serem atacados pelos índios. Afinal, os imigrantes eram intrusos. Sofreram sob chuva, frio ou sol inclemente, sob a tensão de mordidas de cobras e outros animais desconhecidos. Havia entre eles um profundo sentimento de solidariedade e proteção mútua.”

     Do Capítulo “Costumes e outros assuntos” temos:
     “Trouxeram os imigrantes hábitos simples de gente sofrida por guerras intermitentes. De uma época em que vigorava entre o povo a limitação do consumo, desde a alimentação, as vestes, até os rudimentares instrumentos agrícolas, o que importava era sobreviver e, para tanto, estavam dispostos a usar suas mãos calejadas e o suor para extraírem da terra o que lhes garantisse o sustento. Na bagagem, a roupa masculina era de tecido riscado feito de algodão grosso. As mulheres da colônia usavam vestidos escuros cobrindo-lhes os joelhos e abaixo das canelas. Sapatos, se existissem, eram toscos. Muito comum era o uso de tamancos, de produção caseira.”

     As adversidades não demoveram seus sonhos. Sua honra se somou à sua fé, e ambas se transformaram em força e trabalho. Muito daquilo que fizeram permanece materializado em objetos, utensílios, ferramentas... que refletem bem a dureza do dia-a-dia; e que por sua vez, nos remete ao seu processo de adaptação ao meio hostil. Das pedras e do barro ergueram-se muros e construções, que ainda preservam os traços de uma arquitetura predominantemente influenciada por suas origens. Daquilo que é imaterial ficou a fé, a religiosidade... o padroeiro São Marcos... Ficou a tradição, ficaram os hábitos e os costumes, o jeito de ser do povo: a forma de viver, de sentir e pensar. Ficou a forma de se divertir: a dança, a música, as canções, a voz... a cultura... Na gastronomia: o macarrão rústico, a polenta, a fortaia, os queijos coloniais, os salames, a salada de radicchio...
     Cento e vinte três anos se passaram, e hoje eles já não estão mais aqui, mas o fruto daquilo que foram e realizaram continua vivo, ali por aquelas mesmas ruas que estiveram um dia, por aqueles mesmos lugares da cidade; e através dos filhos, e filhos de seus filhos... e de seus filhos... E é lá, pelas mesmas ruas, nos mesmos lugares, na mesma praça, no coração de sua gente, em um monumento que os venezianos, com orgulho, eternizaram seus nomes; o nome de suas famílias: no Monumento ao Imigrante. Sua memória ficará guardada para sempre.
     E foi a partir deste sentimento de bravura, de luta... de admiração, de gratidão que este trabalho fotográfico foi gerado. Denominei-o como: “Nova Veneza: il lavoro di tanti”; uma alusão àquela força, àquele trabalho que por eles foi empreendido para construir seu sonho: a sua “Nova” cidade lá na América, uma Nuova Venezia.
     O tempo passou, fica pra nós o seu exemplo de: fé, superação, união, resignação, abnegação, perseverança; de acreditar na vida... O seu sonho não morreu, só demorou um pouco mais. Hoje, nós, herdeiros deste patrimônio, talvez tenhamos que olhar um pouco para trás, para aprendermos mais, e assim, vislumbrarmos um futuro ainda melhor. Para darmos um destino melhor àquilo que nos foi legado, e assim como eles, plantarmos um mundo melhor para os nossos filhos, e os filhos dos nossos filhos... e de seus filhos... e daqueles que virão.

Agradecimentos especiais:
- À amiga Brigitte J. F. Gorini, que me autorizou a transcrição de textos de sua obra literária: “Bons Tempos: para os netos”;
- Para Gabriel da Conceição pelo suporte que me deu junto ao Museu do Imigrante;
- Ao Sr. Vilmar Vitório Ferro, Zelador e Ministro da Eucaristia na Igreja Matriz São Marcos, e Cidadão Benevolente 2012;
- À família de Ângelo Bortolotto no acesso às Casas De Pedra Nono Luigi Bratti.

Referências:
- GORINI, Brigitte J. F. Bons Tempos: para os netos, 2ª ed., EdiUNESC, 2014, Criciúma, SC.
- BORTOLOTTO, Zulmar Hélio História de Nova Veneza, 2nd edition, Editora Insular, 2012.
- CAROLA, Carlos Renato; DASSI, Nilso Era uma vez o rio Mãe Luzia, UNESC, 2014.
www.novaveneza.sc.gov.br
www.portalveneza.com.br
http://www.feriasbr.com.br/viagem/ferias/cidade/nova-veneza-SC/4576/indexl.html