História que é resultado de um panorama que começa a se formar por volta do início do século XV, quando a necessidade de expansão dos negócios da Europa ocidental, inserida em um mercado de certa forma saturado, e a grande riqueza acumulada por comerciantes europeus, protagoniza a busca por novos meios logísticos que conduzissem às demandas mercadológicas; que à época concentravam-se na obtenção de minerais preciosos como o ouro, a prata e os tão cobiçados diamantes. Inegavelmente enfrentar os desafios do oceano era em uma importante barreira a ser vencida no caminho às novas conquistas. A falta de conhecimento quanto ao desconhecido estabelecia resistência por parte dos navegadores, que evitavam se aventurar além-mar, e por precaução normalmente se mantinham próximos do litoral.
     Neste sentido, e com o objetivo de reunir estudiosos de navegação para transmitir conhecimentos já apreendidos e empreender novas pesquisas, foi criada em 1417 a Escola de Sagres, no Algarve, província no extremo sul de Portugal. Àquela época, no entanto, os espanhóis enfrentavam dificuldades, basicamente, por não terem um governo unificado e terem a presença de árabes no sul de seu território.
     O propósito de portugueses e espanhóis era estabelecer, por via marítima, uma nova rota para o Oriente. É quando surge a necessidade de ser estabelecido um Tratado entre Portugal e Espanha; fato que se consolida com o Tratado das Alcáçovas-Toledo, assinado em 1480, que designava a Portugal o domínio das terras ao sul da Ilhas Canárias, bem como, a rota de navegação pelo sul da África para chegar às Índias. Os espanhóis, sentindo-se prejudicados, apelaram ao Papa Alexandre VI, que em 4 de maio de 1493 editou um documento denominado Bula Inter Caetera, que de outra forma, estabelecia uma linha imaginária distante 100 léguas do arquipélago africano de Cabo Verde, definindo a divisão do Novo Mundo: a oeste desta linha pertencente à Espanha, e a leste à Portugal. Os termos deste documento desagradaram à Coroa Portuguesa.
     Para solucionar esse impasse, foi negociado no município espanhol de Tordesillas um novo acordo entre os dois países ibéricos. Editado em 7 de Junho de 1494, ampliava as terras lusas para uma distância de até 370 léguas a oeste da ilha cabo-verdiana de Santo Antão. Este Tratado precede em pouco menos de seis anos a chegada da primeira expedição portuguesa à costa brasileira, mas já estabelece como limite meridional daquela que viria a ser a vila de Santo Antônio dos Anjos de Laguna, pertencente à Capitania de Santana.
     Mas foi somente em 29 de julho de 1676 que o bandeirante vicentista Domingos de Brito Peixoto chegou à região e fundou a vila, homenageando-a com o Santo da sua devoção: Santo Antônio. Tornou-se a terceira cidade do Estado de Santa Catarina, que por solicitação do rei de Portugal, a sua instalação tinha como objetivo expandir a fronteira para além do Tratado de Tordesilhas. Transformou-se assim em ponto de partida de expedições, e com o passar do tempo foi-se tornando povoada e organizada. Os maiores fluxos colonizadores aconteceram em meados de 1740 com portugueses dos Açores, posteriormente na primeira metade do século XIX com os chamados portugueses do Continente, e também entre 1748 e 1756 com a chegada de mais imigrantes açorianos.
     São anos de intensa disputa territorial entre Portugal e Espanha, que exigiam o estabelecimento de novos limites para suas conquistas. É quando em 1º de outubro de 1777 é assinado o Tratado de Santo Ildefonso, um novo acordo que reestabelece a propriedade das colônias requeridas na América do Sul. Este Tratado concede a Portugal: a Colônia do Sacramento, as Missões da margem esquerda do Rio Uruguai e a soberania sobre o Rio da Prata, enquanto que, à Espanha restitui a Ilha de Santa Catarina. Um acordo que de certa forma reafirma os pontos constantes do Tratado de Madrid (1750).
     Àquela época, a proeminência sócio-econômica de Laguna passa a ser cada vez mais significativa, e atinge o seu auge com a construção do porto em 1839, transformando a pacata vila de até então em um cenário revolucionário; fato que culmina com uma tentativa de separar o Rio Grande do Sul e Santa Catarina do comando do império. E assim, em 29 de julho de 1839 é proclamada a República Catarinense ou República Juliana, uma extensão da Revolução Farroupilha. Esta conquista durou até 15 de novembro de 1839 quando na batalha naval ocorrida na Barra de Laguna os imperialistas obtêm vitória sobre os republicanos. É neste período que personagens importantes como o italiano Giuseppe Garibaldi, David Canabarro e Teixeira Nunes, entre outros, surgem à frente dessas batalhas.
     Período onde surge também, com seus apenas 18 anos de idade, a figura heroica da catarinense Ana Maria de Jesus Ribeiro. Mulher de forte personalidade e grande determinação apaixonou-se por Garibaldi e decidiu segui-lo em suas batalhas. Casaram-se no Uruguai dois anos e meio depois, passando a ser conhecida como Anita Garibaldi. Tiveram quatro filhos e lutaram em combates por Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai e Itália; vivendo juntos até a sua morte aos 27 anos, na cidade italiana de Mandriole di Ravenna. Anita por diversas vezes demostrou seu valor guerreiro, sendo bastante conhecida a sua participação na Batalha de Laguna, quando atravessou o Canal da Barra inúmeras vezes, levando num pequeno bote a remo, munição e armamento em pleno tiroteio. Ficou conhecida como a Heroína dos Dois Mundos por seus feitos pelo Brasil e pela Itália.
     Em 1847, Laguna foi elevada à categoria de cidade por meio de um Decreto Imperial; e à medida que os anos iam passando um visível crescimento econômico-social era percebido na cidade, tornando-se maior nas últimas décadas do século XIX, principalmente como resultado de sua movimentação portuária. Neste período também são registrados fatos marcantes como: a chegada a partir de 1875 dos imigrantes de maioria italiana que vieram colonizar a região sul do Estado de Santa Catarina; a partir de 1880 o início da construção da estrada de ferro Dona Tereza Cristina, e concluída em 1884; início em 1890 da construção do Farol de Santa Marta, inaugurado em 11 de junho de 1891.
     Mas foi na virada do século, na história mais recente, que o expressivo desenvolvimento urbano e cultural aconteceu na cidade. Isto se refletiu, por exemplo, nas novas construções residenciais, comerciais, teatro, cinema, jornal, hospital, hotel; na iluminação pública, no mercado público, na construção da biblioteca, entre tantos outras. Grande parte delas ainda existem e continuam preservadas no Centro Histórico, comprovando um pouco daquele período áureo da cidade. Entre as décadas de 1930 a 1950 grandes transformações aconteceram com o surgimento dos primeiros automóveis e ônibus urbanos, com as ruas calçadas, com as transferências do local do porto para o local atual e a do trem para o final do Campo de Fora. No final da década de 1950, há uma redução da atividade portuária causada pela criação do porto de Imbituba, com capacidade para maiores embarcações. Já na década de 1960, a construção da rodovia BR-101, e a construção da ponte rodoviária na localidade de Cabeçuda, provocaram o deslocamento de parte do setor econômico para fora da cidade. Fato que começou a ser restabelecido a partir da década de 1970 com o incremento do turismo, das atividades portuárias, bem como, de novas formas empresariais. Estratégias que têm resultado em grande desenvolvimento do município e da população; caracterizado no alto IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, das últimas décadas.


     Uma rica história! História de muitas histórias.
     Uma história construída com medos e coragens, qual grandes navegadores que por ali aportaram, nos permitem estabelecer uma relação com a lendária expressão proferida em Latim pelo general romano Pompeu (106-48 aC) aos marinheiros amedrontados que recusavam viajar durante a guerra: "Navigare necesse; vivere non est necesse". Expressão na qual o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), em seu poema “Navegar é Preciso”, nos ofertou sua releitura: "Navegar é preciso; viver não é preciso”. Expressões que nos fazem pensar sobre o quanto deve ser exato o navegar, conquanto inexato é o viver.
     E eu me permito refletir sobre o quanto estas expressões fazem sentido quando pensamos que já no final do século XV, na cidade de Tordesillas, a partir da definição de uma linha imaginária a 370 léguas de Cabo Verde, estariam aqueles Senhores estabelecendo aos navegadores, com “precisão”, um lugar que viria a se constituir a Capitania de Santana. E de que em seu extremo sul, em um local de rara beleza - talvez por também ser um ponto de inflexão entre o acidentado litoral ao norte e os mares abertos ao sul -, daria origem à vila de Santo Antônio dos Anjos de Laguna. E apesar dos objetivos expansionistas da Coroa Portuguesa, no quanto não foi possível prever o desenrolar dos fatos e eventos que ali aconteceriam. Ou seja, no quanto foi “impreciso” definir antecipadamente a real história que ali se desenrolaria; sobre a história da vida de seus personagens: aqueles que ali já estavam, aqueles que vieram e viriam estar. Uma abordagem sobre o passado e o futuro: sua previsibilidade e sua imponderabilidade; a relação histórica espaço-tempo. A história com seus eventos, datas e personagens. Que deixaram ali suas marcas e seus sentimentos. Sentimentos que ficaram e ficarão guardados para sempre como imagens, num admirável espaço da natureza permeado pelo incomum encontro de tantos elementos: restingas, morros, areias, dunas, calor, vento, praias, canal, molhes, rios, mangues, sambaquis, fauna, flora, lagoas, lagunas, e mar.
     Ah, o mar! O infinito mar... Aquele que nos propõe a poética dos elementos da natureza, aquele que desmancha os rastros, que detém a dinâmica visível e invisível da vida, que traz e que leva, que dá e que tira. Que detém as ondas. Ondas que movem as embarcações, que trazem as pessoas e seus alimentos, que chegam ao porto. O porto que dá segurança: aonde chega o futuro. Futuro guiado por uma luz de esperança, qual a luz solitária de um distante farol; que se ergue orgulhoso por sobre o alto de seu promontório; que guia os navios, que dá a direção, que guia os homens; homens que detêm a história.
     Transporto meu imaginário pensamento para o alto, para o ponto mais alto: o morro da Glória. Direciono meu olhar para o oceano; vejo apenas o infinito: um infinito mar. Não vejo rastros, mas sei que eles existem. Desço então meu olhar e observo mais atentamente: os rastros estão lá, por entre tortuosas vias e ruas: caminhos. Caminhos partilhados por mulheres e homens, crianças e famílias, amigos e vizinhos, mercadores e mercadorias, marchas e procissões, festas religiosas e pagãs, chuvas e ventos, guerras e paz; ruas que se entrecortam em calçamentos de pedras irregulares, registros conscientes de um visível-invisível inconsciente. Que carregam talvez uma essência íntima e concreta dos sentimentos que ali estiveram ao longo do tempo, e que aos poucos foram dando espaço a outros sentimentos; de outros homens e mulheres que continuam escrevendo suas histórias. Histórias que se unem a outras e outras histórias, e que irão formar a grande história daquilo que é ser humano.


     Este trabalho fotográfico foi realizado a partir do ano de 2012 durante viagens que fiz à cidade de Laguna. Foram viagens nas quais tive a oportunidade de conhecer melhor o seu patrimônio histórico-cultural, interagir com seu povo, fazer amigos, e vivenciar um pouco mais do dia-a-dia da população. Mais do que o conhecimento dos livros e das informações que me subsidiaram em minhas pesquisas, o caminhar por dentro da vida dessa cidade, tão rica em belezas, histórias e cultura me proporcionou um aprendizado ainda maior sobre a minha própria história.
     Faço aqui minha homenagem e minhas reverências aos grandes personagens, que construíram com suas jornadas pessoais, a grande história dessa cidade e do sul do Brasil. História essa, imortalizada nas palavras em Latim do historiador catarinense Afonso d'Escragnolle Taunay, quando elaborou o Brasão que é símbolo das armas de Laguna: ”AD MERIDIEM BRASILIAN DVXI” (“Para o sul o Brasil levei”); que em síntese simboliza a importante e decisiva atuação dos bravos lagunenses, não somente nos conflitos de emancipação da região sul, como também, no histórico processo de expansão nacional em direção ao rio da Prata.
     E como uma forma de retribuição, ofereço estas imagens ao valoroso povo da cidade de Laguna, por sua força e bravura que tanto orgulha aos catarinenses, bem como, pelo carinho que recebo quando aí estou.

Agradecimentos especiais:
- Ao meu pai, Oduvaldo Florentino Machado, pelas boas recordações sobre a história da cidade de Laguna.
- Ao meu amigo João Francisco Marques de Carvalho, de Florianópolis, por compartilhar comigo muito do seu saber histórico.
- À psicóloga Ana Cláudia Judice Alleotti por suas sábias palavras.
- Ao meu amigo Jorge Manuel Ferreira Pinto, de Póvoa de Varzim, Portugal, por suas contribuições quanto à cultura portuguesa.
- Ao arquiteto Leonardo Fernandes Pascoal, Presidente da Fundação Lagunense de Cultura.
- À Sra. Zenaide Silva, Diretora dos Museus de Laguna, e à sua equipe de trabalho: Rômulo Souza, João Rodolfo Lopes Pereira, Marco Antônio Costa Botelho e Solange Paschoal Araújo.
- Na Prefeitura de Laguna: Thiago Laurindo, Norton De Araújo Mattos, Wellington Linhares Martins Maria Gorete Alves Cardoso Fão.
- Ao professor Airton Bento Machado por ter me acompanhado durante o registro das imagens das ruínas do Forte de Atalaia, pelas informações históricas e pela indicação da literatura do historiador Wolfgang Ludwig Rau.
- Ao engenheiro Jerferson Machado Alves por suas orientações durante a visita às ruínas do Forte Atalaia.

Informações sobre a história e a cultura da cidade de Laguna podem ser obtidas com a Fundação Lagunense de Cultura, fone (48) 3646-2542.

Geo Code de Laguna: 28° 28' 54" S 48° 46' 56" O

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