Com o sonho de uma vida melhor e os poucos pertences que trouxeram, os imigrantes reiniciaram sua jornada. Com muito trabalho enfrentaram as agruras da mata virgem, aplicando as técnicas que já conheciam e utilizavam nas terras de origem: plantaram, colheram, construíram casas, escolas e igrejas. Inicialmente o pouco contato que tiveram com o mundo exterior favoreceu a preservação do dialeto, da mesma forma que hábitos, costumes, tradições, normas, valores e formas de organização.

          Alguns desses colonos migraram para outras regiões; mas, à medida que o tempo passou, as adversidades foram sendo vencidas e certa prosperidade emergiu. Métodos de trabalho e o jeito de viver se ajustaram à nova realidade, o que possibilitou melhorias nos processos de produção e, por consequência, na qualidade de vida das pessoas.

          Passados 190 anos, inúmeros foram os fatos históricos que marcaram a vida dessa comunidade. E, mesmo com um maior contato com outras etnias e lugares, muito dessa herança cultural deixada pelos antepassados foi mantida e preservada em São Pedro de Alcântara e região: algo que desperta nosso interesse e nos estimula a investigar um pouco mais.

          Quando aprofundamos nosso olhar sobre o universo identitário de um povo, podemos, por exemplo, observar com maior nitidez os signos que caracterizam essa cultura. Esses signos se distinguem dos demais por serem, subjetivamente, elementos de conexão entre as pessoas e a etnia à qual pertencem. São transmitidos de geração em geração, e compartilhados dentro de um grupo ou mesmo de toda uma sociedade; no entanto, somente são capazes de existir por intermédio dos seus indivíduos.

          Além disso, apontam para um tempo pretérito por preservarem a ancestralidade e as origens; por outro lado, possuem potencialidades dinâmicas de que, em um tempo futuro, venham se tornar aquilo que ainda não o são. Simbolicamente representam imagens depositárias de uma identidade étnica latente, salvaguardando ao longo dos tempos valores culturais que reconectam as pessoas às suas raízes.

          No caso dos imigrantes colonizadores, os signos podem ainda ser acrescidos de fatores relacionados à adaptação, pois as condições ambientais interferiram no modo de vida e na aplicação do conhecimento trazido da terra natal: o ambiente interferiu na cultura e vice-versa. Desde o solo, o relevo e o clima, passando pela fauna e flora, ferramentas disponíveis, influências de outras etnias, e até mesmo políticas locais, tudo contribuiu para que o que era até então, de certo modo, continuasse a existir ainda que de outra forma: suprindo necessidades de hábitos, costumes e tradições. O saber fazer foi, portanto, adaptado às condições locais, mas na essência se manteve vivo subjacente ao cotidiano e à cultura, inclusive por meio de seus descendentes.

          Retratar signos dessas manifestações étnico-culturais através de imagens fotográficas é o objeto deste trabalho. Na dimensão iconográfica, a fotografia detém em si a capacidade figurativa de imobilizar no espaço-tempo informações que vão além do verbal. Por ser uma privilegiada fonte de memória, permite que a qualquer tempo seja reconstituído o locus original através de uma nova perspectiva. No entanto, apesar de a fotografia se restringir a um recorte da realidade, é justamente esse recorte que permite que uma determinada seleção de imagens possa sintetizar um tema específico.

          No caso deste trabalho são reunidas fotografias sobre aspectos da visibilidade étnica da colonização alemã em São Pedro de Alcântara nos dias atuais, com destaque para: língua, religião, monumentos, símbolos, arquitetura, gastronomia, festas, tradições, dança, música, vestuário:
1 - Língua: palavras, expressões, frases, poemas escritos no idioma Alemão são comumente encontrados em diversas manifestações públicas ou privadas. Refletem o idioma/dialeto ainda praticado entre populares e descendentes dos imigrantes colonizadores. A língua vincula a identidade do indivíduo ao grupo e às origens; portanto, ao sentimento de pertencimento. Tem sua importância por também dar suporte a outras experiências étnicas;
2 - Religião: a religião fortalece o espírito, une as pessoas e está presente na vida em comunidade. Para os imigrantes, a religiosidade foi essencial porque deu suporte espiritual frente às dificuldades encontradas na nova terra;
3 - Monumentos: os monumentos remetem aos colonizadores alemães;
4 - Símbolos: os símbolos são signos que materializam e expressam vínculos que fazem parte da identidade de um grupo ou de toda uma comunidade;
5 - Arquitetura: aspectos da etnicidade alemã se refletem na arquitetura utilizada em residências e estabelecimentos comerciais. Recentes ou restauradas essas edificações formam um ambiente que lembra a terra de origem dos imigrantes colonizadores. Construções centenárias dividem espaço com construções públicas ou privadas mais recentes, compartilhando traços da arquitetura germânica de vários períodos da história;
6 - Gastronomia: com receitas originais ou adaptadas, doces ou salgadas, a gastronomia alcantarense é composta por uma rica variedade de produtos que conservam o saber fazer da colonização alemã. Muitos desses alimentos fazem parte do dia a dia da população; mas, também podem ser encontrados em confeitarias, cafés coloniais, festas religiosas etc. Destaca-se o “Recheio de Galinha” ou “Recheio Alemão” é uma receita difundida em São Pedro de Alcântara, e tem sua base na gastronomia trazida pelos imigrantes alemães. É um alimento típico de festas comunitárias e culinárias familiares. Foi instituído como Patrimônio Cultural Imaterial alcantarense pela Lei nº 701, de 11 de setembro de 2012, da Prefeitura Municipal. No mês de outubro de cada ano, é realizada a Festa do Padroeiro e do Recheio;

          O “Recheio de Galinha” ou “Recheio Alemão” é uma receita difundida em São Pedro de Alcântara, e tem sua base na gastronomia trazida pelos imigrantes alemães. É um alimento típico de festas comunitárias e culinárias familiares. Foi instituído como Patrimônio Cultural Imaterial alcantarense pela Lei nº 701, de 11 de setembro de 2012, da Prefeitura Municipal. No mês de outubro de cada ano, é realizada a Festa do Padroeiro e do Recheio.

          A Sra. Maria de Fátima Schmitt Silveira, moradora e descendente de imigrantes alemães, nos disponibilizou a tradicional receita de “Recheio de Galinha” de sua família. Ingredientes: 6 ovos caipiras, 1/2 kg de moela moída com gordura, 1 colher de chá de sal, 1/2 colher de chá de noz moscada, 1 colher de sopa de cebolinha verde picada e 1 xícara de farinha de rosca ralada. Modo de fazer: Misturar bem os ovos e a moela moída. Acrescentar e misturar o sal, a noz moscada e a cebolinha verde. Acrescentar e misturar bem a farinha de rosca. Colocar a mistura em dois sacos plásticos (um dentro do outro). Amarrar bem deixando um pouco de ar dentro. Cozinhar em banho-maria por aproximadamente 1 hora. Retirar do saco e servir em fatias.

7 - Festas: no calendário oficial de festas do município de São Pedro de Alcântara, a Stammtisch e a Oktobertanz, que ocorrem em abril e outubro respectivamente, são as que melhor expressam as origens e a cultura alemã. A população e os turistas confraternizam ao som de desfiles, músicas, danças, trajes típicos e uma extensa variedade de produtos da gastronomia típica alemã;
8 - Tradições: ritos, hábitos, costumes e comportamentos herdados dos antepassados, entre outros, formam as tradições que passam de geração em geração. Fazem parte da memória viva do povo e dos códigos que vinculam os indivíduos às suas raízes; neste sentido, preservam suas identidades. Muitas são as atrações que despertam a participação da comunidade durante as festas populares;
9 - Dança: dança é celebração. A dança é uma linguagem que vai além das palavras: a dança contagia e, dentre as formas de expressão humana, faz parte dos ritos. Os ritos são os meios capazes de trazer para o momento presente conteúdos remanescentes do passado. Por meio deles, se atualizam os vínculos e se renovam laços de pertencimento;
10 - Música: ao som e ao ritmo de composições tradicionais ou contemporâneas, as canções folclóricas alemãs dão o tom das festas populares em São Pedro de Alcântara;
11 - Vestuário: os trajes típicos usados em eventos geralmente representam regiões da Alemanha, assim como os acessórios e ornamentos do vestuário das pessoas;
12 - Trabalhos manuais: artesanato e trabalhos manuais também contribuem para preservar práticas aprendidas com antepassados: um saber fazer que passa de pais para filhos e de mães para filhas; e
13 - Cemitério de Santa Filomena: no cemitério de Santa Filomena, são encontradas sepulturas que remontam ao final do século XIX.

          Esta exposição virtual reproduz o artigo de minha autoria, com o mesmo título, e é parte integrante do livro “1829: São Pedro de Alcântara, páginas de sua história” lançado em 3 de dezembro de 2020. Este livro, no qual tive a honra de participar como autor convidado, é composto por 56 artigos de 38 autores, e foi organizado pelos amigos Toni Jochem e Daniel Silveira através da Casa da Cultura de São Pedro de Alcântara.